SÃO PAULO: A Educação Fiscal como agente transformador da sociedade
“Ninguém faz Educação Fiscal sozinho”. A frase é mais que verdadeira: a Educação Fiscal deve ser compartilhada, disseminada e, quem sabe, tornada disciplina dentro das escolas. A autora da afirmação é a gerente do Plano Nacional de Educação Fiscal (PNEF), Fabiana Baptistucci, que esteve presente nos três dias do 3º Curso de Formação de Educadores Fiscais, que aconteceu de 4 a 6 de outubro, e promovido pelo Gefe-SP (Grupo de Educação Fiscal Estadual de São Paulo), da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. O encontro foi organizado pela diretora do Gefe-SP, a AFR Gabriela Lubies Maia de Sousa. O curso procura ampliar a rede de educadores fiscais, para que eles possam realizar eventos, palestras e seminários voltados ao tema, nas suas cidades. Veja mais fotos do evento na página da Afresp do Facebook.
O curso contou com palestras sobre Educação Fiscal no Brasil e no mundo, Direitos Fundamentais, função social do tributo, federalismo e repartição de receitas, gastos públicos com políticas sociais, planejamento e orçamento público e ferramenta e controle social. Mas não foram palestras formais, no estilo acadêmico do termo. Os palestrantes deixaram o púlpito de lado e fizeram suas apresentações como se estivessem conversando com os participantes. “A formação foi toda dialogada, isso facilita o aprendizado”, diz Fabiana.
Outro detalhe chamou a atenção da gerente do PNEF: o fato de o curso ter sido ministrado dentro das dependências da Secretaria da Fazenda aproxima o cidadão comum dos Agentes Fiscais de Rendas. “O Agente Fiscal não está acostumado a trabalhar com o cidadão, e muitas vezes ele reage mal à presença do Agente Fiscal. Agora, aqui, ele procura estimular o cidadão a aprender mais sobre a Educação Fiscal”, arremata.
Fabiana, que é de Brasília, sempre visita os cursos de Educação Fiscal que acontecem no Brasil. “Cada Estado trabalha de um jeito. São Paulo é o maior estado, faz muita coisa interessante. Aqui o grupo é bem formado, a USP faz parte. Isso é importante porque para o professor começar a trabalhar com a Educação Fiscal na sala de aula, é preciso que ele tenha ouvido isso do seu professor lá na licenciatura”.
Para ela, isso faz diferença na formação do professor: é melhor ele já ter ouvido falar de Educação Fiscal ainda nos bancos da universidade do que reunir um grupo na escola e falar do assunto para os professores. “Fica muito mais fácil do que ficar dizendo para criar na escola uma matéria de educação fiscal”.
Os alunos do ensino médio podem se beneficiar mais ainda das aulas de Educação Fiscal, segundo Fabiana. “Esse tema é mais aderente entre eles porque os alunos já estão indo para o mercado de trabalho. Já para trabalhar no ensino fundamental, temos que focar na licenciatura, para que o professor possa passar os conceitos de cidadania, participação, solidariedade em sala de aula, quando os alunos são pequenos”.
A gerente do Plano Nacional de Educação Fiscal (PNEF), Fabiana Baptistucci; a filósofa Marcia Tiburi; a diretora do Gefe-SP, Gabriela Maia Lubies de Sousa; e a auditora-fiscal da Secretaria da Fazenda de Alagoas, Glacia Tavares
E, como bem disse a gerente nacional do PNEF, Fabiana Baptistucci, cada estado tem suas particularidades com o tema Educação Fiscal, e eles trocam experiências entre si. Uma das presentes ao curso foi a auditora fiscal da Secretaria da Fazenda de Alagoas, Glacia Tavares. Lá, ela é gerente da Educação Fiscal, e vem a São Paulo para ver o que está sendo feito por aqui e o que pode ser utilizado por lá. “Eu gostei muito, pude aprofundar o conhecimento que tenho e vou adaptá-lo no meu estado, para nossa realidade”.
Em Alagoas, ela tem uma equipe de quatro pessoas, que estão também implementando a Educação Fiscal desde 2000 – e lá os primeiros frutos já estão sendo colhidos. “Temos duas escolas inscritas no Prêmio Nacional de Educação Fiscal 2016, da Febrafite.
No último dia das palestras, os participantes assistiram às apresentações do diretor presidente do Observatório Social do Brasil – SP, o auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil, Paulo de Oliveira Abrahão, que apresentou o Observatório aos presentes – e como sua atuação já tem feito a diferença na administração pública de algumas cidades do estado (já que, por enquanto, a abrangência da instituição é municipal). Para encerrar o dia, a filósofa Márcia Tiburi falou sobre ética.
De olho nos gastos públicos
O que é pago em tributos deve ser convertido em pagamentos aos seus servidores e a manutenção e crescimento do município, estado ou país. Para isso, esse dinheiro deve ser usado com muito critério, e são os gestores públicos os responsáveis pela sua destinação nas mais variadas áreas. Mas, na prática, a teoria é outra. Casos de mau uso do dinheiro público, por meio de licitações irregulares, corrupção e desvios aparecem o tempo todo na imprensa.
“Indignar-se é importante; ter atitude é fundamental!”, disse o auditor fiscal da Receita Federal do Brasil, Paulo de Oliveira Abrahão, quando apresentou o Observatório Social do Brasil – SP (OSB-SP), do qual é diretor presidente. O órgão surgiu para agir preventivamente em favor da transparência do uso do dinheiro público, bem como na qualidade da aplicação desses recursos.
O OSB-SP surgiu há oito anos, seu trabalho é baseado na dedicação de voluntários, e funciona em âmbito municipal. No estado de São Paulo, há 15 cidades que possuem o órgão, e três estão no processo de fundação. Ela é composta por integrantes da sociedade civil, não tem fins lucrativos e é apartidária: nenhum de seus membros nem voluntários podem ser filiados a partidos políticos. “Isso dá independência ao OSB-SP”, diz Paulo.
A instituição atua em três momentos: no monitoramento de licitações, no controle do poder legislativo e nas ações de educação fiscal. São investigadas principalmente despesas ligadas à saúde, educação e com obras. Além disso, ela trabalha no fomento ao controle social, no incremento da transparência e no acompanhamento das políticas públicas.
O trabalho do OSB-SP já pode ser visto nas cidades onde está instalado. Somente em três anos, segundo Paulo Abrahão, R$ 1,5 bilhão deixaram de ser gastos irregularmente em licitações municipais irregulares por conta da atuação do Observatório. O diretor presidente da entidade citou exemplos de processos licitatórios de prefeituras de algumas cidades do país que, com a ação do Observatório, foram cancelados. Um deles é na cidade de Paranaguá (PR), que havia feito uma licitação para compra de papel higiênico e sacos de lixo. O problema encontrado não foi o valor unitário de cada um desses itens, e sim a quantidade: a prefeitura iria gastar mais de R$ 7 milhões nesta compra – o que equivaleria ao consumo de toda a cidade (que tem 133 mil habitantes) por dez anos. Com a atuação do OSB-SP, no fim, foram pagos apenas R$ 417.007,98.
A Ética nos dias de hoje
“Não existe verdade absoluta, e sim a tentativa de expressão própria de cada pessoa”. A frase, da filósofa, escritora e professora Marcia Tiburi, na última palestra do dia do curso de formação de Educação Fiscal, procura explicar um pouco a complicada situação brasileira hoje, na qual opiniões hoje tentam ser defendidas com unhas e dentes, e de forma autoritária.
Ela fez sua apresentação baseada em três tópicos, na tentativa de entender a sociedade brasileira atual: ética, educação e cidadania. Antes de tudo, segundo ela, é muito importante prestar atenção no que as pessoas dizem sobre qualquer coisa. “As palavras são conceitos e têm intencionalidade, tanto de mostrar ou acobertar algo”.
Para falar de ética, ela também falou de moral, já que são conceitos facilmente confundidos. Marcia disse que, basicamente, a diferença entre elas é que a moral é algo com o qual se entra em acordo com os habitantes de uma determinada cidade, em um determinado período histórico e dentro de um contexto. Sendo assim, tem a ver com os costumes, hábitos, tradições, procedimentos e valores. Já a ética é o questionamento da moral, a ciência que estuda o modo de viver das pessoas.
Um dos princípios da ética é o respeito. “É outra palavra que quase não se fala hoje”, disse Marcia. “É reconhecer a dimensão do outro: o outro não me pertence, não sou eu, nem faz o que eu faço”. Ele implica o reconhecimento: é algo que damos ao outro por algo que ele fez ou tem: trabalho, coragem, beleza, riqueza.
Na sua apresentação sobre ética, Marcia fez três perguntas aos presentes. A primeira foi: como me tornei quem sou? Ela admite que é uma pergunta difícil de responder, porque não há uma resposta única: “eu sou eu mesmo no meu acontecimento”. Marcia disse que somente as pessoas que apresentam algum tipo de sofrimento psíquico conseguem fazer esse questionamento – o que não quer dizer que esse sofrimento seja ruim. “Isso significa que você está preocupado com você mesmo. Mostra que você tem uma vida psíquica: você está vivo!”.
A segunda pergunta versa sobre nossa relação com as pessoas: o que estamos fazendo uns com os outros? É onde entra a educação, segundo Marcia. “É quando entramos em conexão uns com os outros e conosco mesmo. Aprendemos a ter uma visão mais além, mais distante, e sacamos como a vida funciona. Tudo o que fazemos afeta as pessoas ao nosso redor”.
Por fim, a terceira pergunta: como viver junto? “Não precisa gostar para ter respeito. Ele implica o reconhecimento do outro. Uma pessoa é sempre um mundo diferente!”. Marcia disse que, quem tem dificuldade de reconhecer o outro como um igual é quem, lá atrás, não conseguiu fazer a primeira pergunta (“como me tornei quem sou?” nem a segunda (“o que fazemos uns com os outros”) e, assim, torna-se uma pessoa autoritária, que não ouve a opinião do outro nem respeita sua existência. Com essas três perguntas respondidas, tem-se a ideia de cidadania: a consciência desenvolvida pelas pessoas acerca do lugar delas no mundo. “Sem isso, não há a possibilidade de se sustentar um sujeito ético”, finaliza.
Fonte: Afresp