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Publicado em: 28/06/2022

Confira as considerações da Febrafite sobre o PLP 17/2022 (código do sonegador)

Tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar 17/2022 de autoria do deputado Felipe Rigoni (União Brasil-ES), em coautoria com demais parlamentares, com o objetivo de criar o “Código de Defesa do Contribuinte”, que, se avançar, poderá enfraquecer a fiscalização, estimular a sonegação fiscal e propiciar o aumento da criminalidade.

Com objetivo de alertar o Congresso Nacional e a sociedade sobre os riscos do projeto, a Febrafite elencou alguns de seus dispositivos que merecem especial destaque, por seu potencial pernicioso e antagônico ao objetivo essencial de proteção de direitos aos contribuintes em situação de conformidade. Confira abaixo:

Considerações da Febrafite sobre o PLP 17/2022

Sempre que um fiscal tributário, representante legítimo de um ente político e nos estritos termos da lei, age no sentido de combater atos de sonegação fiscal, fraude estruturada, sociedades simuladas, e outros meios ilícitos de evasão fiscal, ele se reveste não somente dos interesses do Estado e da sociedade, mas especialmente dos interesses de todos os demais contribuintes cumpridores de suas obrigações fiscais, no sentido de, prioritariamente, garantir um ambiente de negócios seguro juridicamente, previsível do ponto de vista do investimento, e leal no quanto respeita à disputa concorrencial.

A alegada assimetria relacionada às prerrogativas legais dos auditores é decorrência direta da supremacia do interesse público, conquanto a arrecadação tributária é meio essencial de financiamento do Estado e, contrariamente ao que possa parecer, opera em favor dos contribuintes regulares, pagadores e cumpridores de seus deveres e obrigações, na medida em que lhes assegura igualdade perante seus pares, uma vez que o pagamento de tributos constitui dever legal a todos imposto.

E é por essa razão que a leitura atenta do PLP 17/2022, tristemente endossado por 32 parlamentares, permite concluir que o projeto, para além de não garantir ao pagador de impostos proteções outras que já não estejam previstas na atual legislação de regência, o torna refém da brutal concorrência que a sonegação fiscal pode propiciar a grupos estruturados para a prática ilícita de operações negociais, e vulnerável diante de um ambiente de negócios imprevisível, onde as administrações tributárias serão forçadas à criação de obrigações acessórias cautelares, e onde certamente imperará a injustiça na aplicação da lei tributária.

Nesse sentido, a Febrafite refuta integralmente um diploma legal nos moldes do PLP 17/2022, construído ao largo de pensamentos que efetivamente busquem a melhora da relação fisco-contribuinte e que, antes disso, representa um imenso retrocesso no caminho de aproximação entre o Brasil e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, descompassando as administrações tributárias brasileiras das boas práticas internacionais.

O texto, em sua totalidade, representa um desafio ao empreendedorismo formal, que se submete às leis positivadas. Alguns de seus dispositivos, contudo, merecem especial destaque, por seu potencial pernicioso e antagônico ao objetivo essencial de proteção de direitos aos contribuintes em situação de conformidade:

1. Artigo 16 – A autuação fiscal do contribuinte depende da análise de sua defesa prévia, que deve ser apresentada em 5 (cinco) dias a contar da intimação.
● Na prática, adiciona mais uma etapa processual na fase de fiscalização, além de todo o rito contencioso administrativo e judicial, já assegurados ao contribuinte.
● O resultado direto disso é a maior complexidade, demora nos julgamentos, maiores gastos dos contribuintes, sem qualquer acréscimo assecuratório de direitos.
● Do ponto de vista administrativo, geraria ainda a necessidade de maior contratação de fiscais de tributo e ampliação da máquina administrativa (mais gasto público).

2. Artigo 17 – O mero pertencimento a um mesmo grupo econômico não enseja a solidariedade tributária a que se refere o art. 124 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.”
● Mecanismo de blindagem patrimonial, segundo o qual os vínculos patrimonial e jurídico que decorrem naturalmente da formação de grupos empresariais deixariam de valer apenas para fins tributários.
● Estimularia o cometimento de fraudes concentradas em uma determinada empresa do grupo, sem qualquer consequência tributária para as demais.
● Equivale a uma licença para não pagar tributo mediante a blindagem das empresas que operam por meio de pessoas interpostas, bastando, que a figura do “laranja” seja o sujeito passivo na “situação que constitua o fato gerador da obrigação”.
● Instituir “gradação da solidariedade” é diretamente contrário à essência desse instituto – solidariedade, por si, não admite divisão ou benefício de ordem.
● Grandes grupos econômicos podem compor estruturas societárias complexas, enquanto pequenos contribuintes não têm condição de fazê-lo, de forma que ainda que o dispositivo fosse legítimo, contemplaria apenas grandes conglomerados.

3. Artigo 20 – Parágrafo único. Na hipótese de ocorrência de dolo, fraude ou simulação a que se refere o § 4º do art. 150 da Lei nº 5.172, de 1966, o lançamento deve ser acompanhado de perícia prévia da Fazenda Pública, que demonstrará:
I – a conduta do sujeito passivo enquadrada como dolo, fraude ou simulação, de acordo com precedentes sobre o tema; e
II – razões de fato e direito que embasam o enquadramento da conduta do sujeito passivo em dolo, fraude ou simulação.”
● Novamente será adicionada mais uma etapa burocrática com forma definida que precederá ao lançamento, aumentando o custo operacional das fazendas e dos contribuintes, além de impactar na necessidade de pessoal para o serviço público.
● Quando há acusação de dolo este já resta provado no ato de lançamento.
● Não há clareza de que seria uma perícia prévia, e se a mesma seria aplicável somente para fins de homologação tácita do artigo 150, § 4º CTN, em nada interferindo nas demais hipóteses em que há lançamento com acusação de dolo, fraude ou simulação.
● Há clara tentativa de blindar os sócios de suas responsabilidades, exigindo mais do que hoje prevê o CTN para responsabilidade pessoal (atuação com excesso de poderes, por exemplo), mas exigindo dolo pericialmente comprovado, julgado por órgão colegiado (levaria anos) e combinado com a inversão do voto de qualidade nestes órgãos (art. 35, em caso de empate a decisão é em favor do contribuinte), cria-se todo um arcabouço que torna extremamente improvável a responsabilização pessoal.
● Na prática, o ônus da comprovação volitiva ficará a cargo das administrações tributárias, quando já existe para os contribuintes a prerrogativa processual administrativa e judicial de demonstrar sua inexistência.

4. Artigo 25 – É vedado à Fazenda Pública:
II – dispensada prévia decisão administrativa definitiva em processo administrativo no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, bloquear, suspender ou cancelar inscrição do contribuinte, sob pena de responsabilidade funcional do servidor;”
● Além de só tratar de regra aplicável à Receita Federal do Brasil (CARF), traz a este órgão a responsabilidade de analisar qualquer bloqueio de cadastro, matéria que sequer constitui competência atual do órgão colegiado, seja por materialidade, seja por valor.
● O órgão teria de ter uma quantidade enorme de servidores para dar vazão a tal demanda.
● Tal requisito impede o Fisco de atuar rapidamente em casos de fraudes explícitas. Como exemplo os inúmeros casos de bloqueio de cadastros por inexistência do contribuinte/fraude estruturada (exemplo Operação Quebra Gelo detecta 31 estabelecimentos em situação irregular (fazenda.sp.gov.br).
● Muitos destes casos o endereço informado ou nem existe ou é um terreno baldio, situação em que o Fisco já suspende a inscrição no mesmo dia, evitando que empresas inidôneas operem de forma irregular, inclusive causando danos a contribuintes regulares.
● Com o dispositivo a suspensão poderá levar meses ou anos em processo burocrático, formalizado e julgado por órgão colegiado, e resultar num prejuízo ao erário de centenas de milhões de reais.

5. Artigo 29 – A desconsideração da personalidade jurídica do contribuinte nas hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, infração da Lei, fato ou ato ilícito depende de decisão judicial.
§ 1º A desconsideração a que se refere o caput alcança apenas o patrimônio de titulares, sócios ou acionistas que detenham poder de comando ou controle.”
● Mais uma medida a emperrar o procedimento e o processo tributário administrativo, em favor de quem pratica atos de sonegação.
● Retira a autonomia das autoridades administrativas, em contrariedade ao que dispõe o art. 135 do CTN.
● Em associação com os demais dispositivos, impedem o alcance patrimonial de pessoas que efetivamente contribuíram para a sonegação fiscal praticada.

6. Artigo 35 – O art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, passa a vigorar com a seguinte redação: § 12. Em caso de empate nos processos administrativo fiscais da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais, resolver-se-á favoravelmente ao contribuinte.”
● Ponto já explicado acima e, combinado com outros dispositivos que atribuem competências diversas exclusivamente ao órgão colegiado, fazem com que o contribuinte tenha decisão definitiva para uma série de questões que podem criar mecanismos de blindagem patrimonial.
● O dispositivo subverte a lógica jurídica, uma vez que afronta a primazia do interesse público em detrimento do particular, além de ignorar o fato de que a coisa julgada administrativa não pode ser oposta pela Fazenda Pública ao Poder Judiciário, enquanto o contribuinte dispõe da jurisdição na eventual persecução de seu direito.
● A revisão do lançamento pelos órgãos do contencioso administrativo, em sua essência, constitui exercício do princípio da autotutela do Estado, portanto este deve ter a palavra final, a preponderância na decisão.
● Trata-se de matéria em análise na ADI 6399, que discute o artigo 28 da Lei 13.988, que incluiu o artigo 19-A na Lei 10.522/2002, pendente de apreciação pelo STF.

Brasília, 24 de junho de 2022.

RODRIGO KEIDEL SPADA
Presidente da Febrafite

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Fonte: Febrafite