Três virtudes da reforma tributária
No emaranhado de alterações que uma reforma tributária propõe, é fácil perdermos a visão do todo. O relatório apresentado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA) evidencia que a reforma contida na PEC 110 tem ao menos três grandes virtudes: a simplificação tributária; a transparência; e a possibilidade do efetivo exercício da cidadania fiscal.
A simplificação de regras e obrigações tributárias poderá reduzir os custos de conformidade tributária. Atualmente, mais de 17 milhões de empresas enfrentam lides judiciais que surgiram, em grande parcela, devido ao ininteligível emaranhado de normas. Previsível, se considerarmos que o Brasil publicou — segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação — mais de 363 mil normas somente no âmbito tributário.
Em outro estudo, o Insper aponta que o litígio tributário acumulado — em boa parte por conta da complexidade do sistema — já alcança cerca de 75% do PIB. Trata-se de uma montanha de dinheiro equivalente a R$ 5,55 trilhões.
O novo desenho do sistema tributário também proporcionará mais transparência no uso de recursos públicos. Atualmente, os benefícios fiscais são uma variedade de caixas-pretas, guardadas a sete chaves pelos diversos entes com competência tributária. A sociedade não tem acesso aos gastos tributários realizados como benefícios (ou privilégios) fiscais. A reforma tributária deslocará — obrigatoriamente — esses gastos, para a via orçamentária, o que agregará a transparência que atualmente é sonegada.
O Estado também atua no sentido de desorganizar os mercados, quando interfere ao beneficiar fiscalmente grandes players com favores fiscais os mais variados. E, como não há a necessária transparência, o jogo fica desequilibrado. Com a reforma, essas manobras deixam a opacidade para virem à tona, o que contribuirá para um melhor nível de equilíbrio concorrencial entre contribuintes e para uma análise republicana e de toda a sociedade das contrapartidas e dos custos desses incentivos.
Outro ponto positivo que a reforma poderá entregar diz respeito à cidadania fiscal. A sociedade tem de ter consciência de que é ela que mantém toda a máquina e custeia todos os investimentos públicos. Afinal de contas, a fonte quase que exclusiva de recursos do Estado é a arrecadação tributária. Ao visualizar — na peça orçamentária — os gastos tributários devidamente alocados, surge um poderoso instrumento de conscientização da cidadania fiscal, além de uma poderosa ferramenta de controle social de tais gastos.
Esse conjunto de virtudes contribui para o fortalecimento de um ativo fundamental da democracia: a confiança. Com a simplificação e a transparência necessárias para o exercício da cidadania fiscal, abre-se espaço para a diminuição da desconfiança dos cidadãos sobre as instituições democráticas e o modo como são financiadas.
Artigo publicado originalmente no portal O Globo em 07/10/2021.