Entenda o agravamento da crise do fisco que afeta a classe capixaba
A crise de divergências entre o fisco capixaba e o governo estadual vem se arrastando há cerca de oito anos. A principal reivindicação diz respeito à valorização da carreira fiscal no que tange ao teto remuneratório, hoje limitado ao salário do governador*.
A aplicação deste limite remuneratório, conhecido como política do abate teto, conferiu ao governador o poder de congelar seus próprios vencimentos, que sem as devidas correções inflacionárias, já acumulam perdas de 47% à categoria. Segundo o auditor fiscal capixaba Geraldo Pinheiro, a aplicação da política afeta principalmente “os servidores no final da carreira que não recebem nenhum subsídio ao exercer cargos gerenciais”, explica. Também faz parte do pleito reajustar o piso salarial dos auditores em início de carreira.
A premissa dada pelo governo era de que sua insensibilidade estava atrelada à crise econômica. Entretanto, a situação se acirrou após promulgação em caráter emergencial da Lei Complementar 832/2016, em 25 de agosto deste ano. A aprovação da LC surge em resposta à greve organizada em julho de 2016 pela categoria que, encerrada a mesa de negociações, culminou na renúncia de 32 mandatos dos membros das turmas de julgamento e 81 exonerações (deste montante, oito auditores, posteriormente, retornaram aos cargos**).
A lei, originada do Projeto de Lei Complementar 015/2016 e aprovada por 18 votos a favor, três contra e uma abstenção, autoriza a livre nomeação, no âmbito da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), aos cargos de gerência, chefia e assessoria por profissionais de outra natureza, com nível de qualificação compatível com a função – ocupação que, outrora, se restringia voluntariamente aos servidores da carreira.
A argumentação da classe é de que a LC contraria o artigo 37, inciso XXII, da Constituição Federal, que confere à administração tributária o dever de ser gerido por servidores de carreiras específicas. Na avaliação do presidente da Afresp, Rodrigo Spada, a Constituição Federal deve ser interpretada em sua totalidade à luz dos princípios que regem a defesa do serviço público em sua essencialidade. Deste modo, os auditores que ocupam cargos de chefia estão ancorados pela Constituição já que carregam o título de servidores públicos.
O presidente da Febrafite, Roberto Kupski, defende a classe e reforça que a lei é inconstitucional: “Acreditamos na possibilidade de um acordo entre auditores e governo do estado para que essa lei seja revogada”, afirmou acrescentando que o diálogo seria a melhor saída para que esse acordo fosse firmado.
Opinião também compartilhada pela presidente da Afites, Maria Tereza de Siqueira Lima. Em nota ela afirma que a LC agride a Administração Tributária já que “abre caminho para ingerência política indevida em órgão técnico, com perda de autonomia para o fisco e graves consequências para o interesse público”, afirma.
Abertura de edital
A situação se acirrou após abertura de edital em 23 de setembro que visava preencher 16 cargos comissionados vagos após a exoneração. A convocação –direcionada aos auditores fiscais e auxiliares fazendários que pertencem ao grupo TAF (Tributação, Arrecadação e Fiscalização) é “um desestímulo para a categoria”, defende o auditor Geraldo Pinheiro, já que continua condicionando a classe, limitada pelo teto, de exercer os cargos sem subsídio adicional. Em solidariedade a essa parcela, os auditores fiscais em início de carreira também renunciaram às suas funções.
Em errata publicada no dia 30 de setembro, a relação de candidatos inscritos no edital seria publicada no dia 5 de outubro, já o resultado final era previsto para o dia 7 do mesmo mês. Segundo a Afites, caso não surgissem interessados, seriam convocados consultores do executivo, ou seja, servidores que atuem na área financeira da Sefaz. Entretanto, como a adesão à primeira publicação foi nula, um novo edital foi aberto e publicado no dia 7 de outubro aos profissionais de outra natureza, como fixado pela LC 832/2016.
Em nota, o Sindifiscal-ES afirma que a lei coloca em risco o sigilo fiscal dos contribuintes, já que os dados confidenciais poderiam ser utilizados atendendo interesses políticos avessos à manutenção da boa administração tributária.
Ainda segundo o diretor de comunicação do Sindifiscal-ES, Eustáquio Xavier, a categoria continua deliberando pelo fortalecimento do movimento e engajamento da classe, como reforçado em assembleia no dia 28 de setembro. Medidas judiciais cabíveis já estão sendo adotadas pelo sindicato, além de denúncias já apresentadas aos órgãos públicos competentes. Além disso, já foi impetrado mandado de segurança preventivo, a fim de impedir nomeação de profissionais de outra competência.
Entenda o caso
Em 2015, no início do mandato do governo atual, a pauta de reivindicações sobre a correção do teto salarial havia sido encaminhada ao governo. A classe pedia a revisão de índice inflacionário, que não era realizada desde a primeira metade do mandato anterior.
Nesta época, o governo reforçou que as reivindicações da categoria seriam atendidas desde que a classe cumprisse o equilíbrio orçamentário estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O desafio era alcançar o patamar de 200 milhões de superávit, de maneira a minimizar a crise que se assomava. Ao final, a categoria alcançou o montante de 800 milhões em caixa.
No início de dezembro de 2015, após bater a meta de superávit fiscal, a crise econômica barrou o prosseguimento das negociações. Após um hiato de dois meses, a categoria decidiu pela paralisação que se estendeu de março de 2016 até meados de maio.
Diante da insensibilidade do governo perante o problema, uma nova greve foi deliberada pela classe. Mas, em menos de 48 horas, o poder judiciário determinou o retorno de todos os auditores que aderiram ao ato com a justificativa de que a classe era essencial para a manutenção da boa administração pública. Resultado: a categoria ficou impossibilitada de realizar qualquer tipo de paralisação por 30 dias.
Após o período contencioso, uma nova greve foi deliberada em julho, e novamente, autoridades judiciárias proibiram a categoria de realizar qualquer tipo de manifestação. Em seguida, os auditores fiscais que exerciam cargos gerenciais voluntariamente renunciaram a suas funções, ação que gerou uma nova instabilidade culminando na aprovação do Projeto de Lei Complementar em caráter de urgência, que se tornaria a LC 832/2016 promulgada no dia 25 de agosto de 2016.
Além disso, durante Assembleia Geral Extraordinária (AGE) realizada em Vila Velha, no dia 15 de setembro, foi aprovado por unanimidade, pelo Conselho Deliberativo da Febrafite, protocolar no STF uma ADI contra a referida lei. A entidade é a única do fisco que possui a prerrogativa de ingressar com uma ação desta natureza no Supremo.
O Sindifiscal juntamente com a deputada estadual Janete de Sá e o Vice-presidente da Fenafisco, José Marcos, também realizaram uma reunião com procuradores do Ministério Público Especial de Contas, além de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, que resultou em denúncia ao MPC local, no dia 1 de setembro de 2016.
Em seguida, valendo-se do apoio da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), por meio da intervenção da Fenafisco, foram protocoladas representações à Procuradoria Geral de Justiça e Ministério Público Federal, a fim de que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) seja ingressada no Tribunal de Justiça do Estado e, posteriormente, no Supremo Tribunal Federal. O Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil no Espírito Santo também está debatendo o ingresso da ADI no Tribunal de Justiça do Estado. Não obstante, o Sindifiscal também entrou com mandado de segurança preventivo, como forma de impedir qualquer nomeação alheia ao Grupo TAF.
O impasse
Segundo Eustáquio Xavier, a renúncia aos cargos comissionados pelos auditores fiscais está diretamente relacionada com a resistência do governo em negociar com a categoria. Diante desta situação “quem perde é o próprio governo, com a queda na arrecadação de impostos e queda na qualidade de serviços prestados pelo fisco”, explica.
Não obstante, a classe somente retornará aos postos de chefia após um acordo de valorização da carreira que reveja a fixação do teto constitucional, que até o momento não tem previsão para acontecer.
Novo capítulo
No dia 7 de outubro, após adesão nula ao primeiro edital, o governo capixaba decidiu abrir uma nova publicação, agora, voltada aos profissionais de outra natureza, com ou sem vínculo com a administração pública. Podem concorrer qualquer cidadão maior de 18 anos e que possua diploma de graduação registrado no Ministério da Educação (MEC). O prazo para inscrições se encerra em 18 de outubro.
*O Espírito Santo é um dos sete estados que recebem subsídios equiparados ao governador. Além dele também se encontram: São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Alagoas, Rondônia e Paraíba. (Dados retirados do Sinafresp).
** Dados fornecidos pelo Sindifiscal-ES.
Fonte: Afresp