Auditores de ICMS pedem exoneração
Os auditores fiscais Carlos Sérgio Silva Janiques e Cláudio Portugal Gonçalves pediram, na terça-feira, a exoneração dos cargos, respectivamente, de chefes da Inspetoria de Bebidas e da Inspetoria de Supermercados da Secretaria estadual de Fazenda. A decisão foi anunciada no mesmo dia em que a Corregedoria Tributária de Controle Externo da secretaria abriu processo administrativo disciplinar para investigar as denúncias publicadas em reportagens do GLOBO, desde domingo, sobre os visitantes da Agrobilara, empresa do ramo pecuário da família do presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), deputado Jorge Picciani (PMDB).
Em nota, a pasta informou que, caso as acusações das reportagens sejam consideradas improcedentes, os inspetores “serão convidados a retornar ao quadro gerencial da secretaria”. A Corregedoria condena reuniões entre fiscais e fiscalizados.
As reportagens revelaram que, de janeiro de 2014 a julho de 2015, Carlos Sérgio esteve 15 vezes na Agrobilara. Já Cláudio Portugal foi cinco. Outro auditor fiscal, Allan Dimitri Chaves Peterlongo, que chefiou até janeiro deste ano a Inspetoria de Substituição Tributária, esteve na empresa de Picciani oito vezes. Em pelo menos uma ocasião, os três fiscais subiram no mesmo dia e na mesma hora em que a Agrobilara foi visitada por Arnaldo Kardek da Costa, que se apresenta na Secretaria de Fazenda como representante do Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava.
Jorge Picciani diz que a lista de visitantes citada na reportagem foi falseada e “obtida de forma ilegal, por tratar-se de um bem particular, decerto por meio de corrupção praticada pelo jornal ou por terceiros”. Todos os visitantes procurados pelo GLOBO, no entanto, confirmaram a ida ao escritório do deputado, sendo que alguns se lembraram até da data anotada na recepção.
Três distribuidoras do Grupo Petrópolis, que já foi investigado por fraude fiscal em dois estados (São Paulo e Mato Grosso do Sul), devem à Receita estadual um total de R$ 1 bilhão.
A Corregedoria Tributária, em circular de abril do ano passado, condenou encontros de fiscais e contribuintes “que não sejam nas repartições ou empresas que estão sendo fiscalizadas”. Na nota de ontem, a secretaria informou que é “importante ressaltar” que os inspetores, na função de chefes de repartição, não fiscalizam as empresas de suas inspetorias.
O promotor de Justiça Rubem Vianna, chefe da Coordenadoria de Combate à Sonegação Fiscal do Ministério Público do Rio, anunciou a abertura de um procedimento investigativo:
— O trabalho jornalístico revela a ocorrência de fatos gravíssimos, a merecer pronta atuação ministerial no sentido de promover a responsabilização criminal dos auditores fiscais que se valeram da condição de servidores públicos para a prática de atos que ocasionaram danos ao erário.
A bancada do PSOL na Alerj vai entrar com uma representação no MP para que as informações sejam apuradas. Os deputados do partido destacaram que um dos principais assuntos da série de reportagens diz respeito a isenção fiscal concedida em novembro de 2015, “quando a crise econômica já era uma realidade incontestável”. Mesmo com parecer jurídico contrário, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o governador Luiz Fernando Pezão concedeu, via decreto, R$ 687 milhões à cervejara, sem contrapartidas claras, informou o partido em nota.
O procurador-geral de Justiça, Marfan Martins Vieira, disse ontem, por intermédio da assessoria do MP, que, antes de tomar qualquer decisão para apurar supostos crimes envolvendo pessoas com prerrogativa de função, vai aguardar a decisão que o Conselho Superior do órgão tomará, ainda em abril, sobre o arquivamento ou a continuação de um procedimento investigativo instaurado para apurar operações de comercialização de bens de origem animal envolvendo Jorge Picciani.
Citado pela reportagem, o presidente do DER-RJ, Ângelo Monteiro Pinto, que esteve 13 vezes na firma de Picciani, disse que foi sempre para tratar de assuntos ligados ao órgão que comanda.
— Estive diversas vezes para resolver, principalmente, questões orçamentárias relativas à conservação da malha rodoviária estadual. Desconheço a existência de normas que determinem impedimento ético para um gestor público encontrar um parlamentar.
Jorge Picciani
O presidente da Alerj é sócio da Agrobilara, empresa de pecuária. A lista de visitantes do prédio onde funciona a empresa, na Barra, mostra que o escritório virou ponto de encontro de inspetores de ICMS e de pelo menos um empresário do ramo de bebidas, um dos setores fiscalizados. O parlamentar diz desconhecer o que os auditores foram fazer em sua empresa e afirma que o controle de visitantes é falso.
Allan Dimitri
O fiscal pediu licença sem vencimentos da Inspetoria de Substituição Tributária, da Secretaria estadual de Fazenda, em janeiro deste ano. Semanas depois, viajou com a família para Montevidéu, no Uruguai. Voltou ao Brasil no último dia 17, mas embarcou novamente para a capital uruguaia uma semana depois. Dimitri esteve oito vezes na empresa de Picciani, na Barra. Procurado, o fiscal não foi localizado.
Carlos Janiques
O fiscal, que até ontem era da Inspetoria de Supermercados, esteve 14 vezes na sede da Agrobilara entre janeiro de 2014 e julho de 2015. Em cinco ocasiões, a visita dele coincidiu com a do contador Arnaldo Kardec, do Grupo Petrópolis, suspeito de envolvimento em casos de fraude tributária. Janiques alega ter ido à empresa de Picciani a pedido do sindicato dos fiscais, para discutir assuntos de interesse da categoria.
Carlos Portugal
O auditor de ICMS era responsável pelo setor de bebidas. Ele esteve cinco vezes na sede da Agrobilara, mas diz que nunca se encontrou com Jorge Picciani. Segundo o fiscal, a visita foi para “pedir apoio para aprovação de um projeto da classe de auditores”. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que, entre 2010 e 2013, Portugal comprou nove apartamentos de classe média em Curicica e uma sala comercial em Jacarepaguá.
O Globo
Fonte: Afrerj